COLAGEM – Homenagem ao Museu Nacional (RJ)
extinta infância
Agora repousa
Peso dilacerado
D’um agosto que arde
COLAGEM
— É ali, bem ali. — Escutei com atenção aquele dedo apontador cochichando na direção do buraco infinito. — Ali que se escondem os dinossauros.
Meu corpo derreteu de febre instantânea, meu ombro se estiraçou desduvidando daquilo e eu mandei o frio calar, tinha que me desaparecer das imaginatividades que se aventuravam pra fora de mim. A gente tava chegando, não era o momento de perder a situação do controle. O dedo sempre apontava as verdades que moravam na minha pessoa. Sempre assim. E ali, era eu o entendido no assunto “DINOSSAUROS”.
A gente já tinha o cansaço se esbaforindo no peito. Dava pra ver quando o ar de dentro ventava fumaça. Era a tal experctativa e eu pendurava a tal certeza resoluta. E pra não ter medo eu tinha carência de planejamento futuro. Sabia ao escutar os adúlteros, que o buraco infinito era só o começo do que separa o mundo sem dinossauros do mundo com dinossauros. E que pra chegar ali, a minha certeza tinha que fazer a voz da boca sair bem baixinha e sem repetir com a língua o que o dedo apontava. O silêncio era regra.
Foi assim quando a gente atravessou o labirinto dos insetos paralisados com espeto paralisante. Eles usavam as zabarbatanas pra assoprar o espeto e o veneno paralisante vinha dos cigarrapés que escorriam das árvores assoviando os rios e a tal natureza das coisas. A gente tava chegando na tribo mas o tal efeito expectativo já se possuía de mim. Na floresta dos pássaros mudos a gente imaginava asa ventando, ovo brotando e até cegonha trazendo irmão. Ou irmã, tanto faz, isso eu nem fiz consistência pra ovular pensamento porque na minha maturidade tenho certeza de que irmão pequeno só dá problema, até que o crescimento vire verdade inconsolidável. E não era nenhuma pena percapital não querer irmão.
Passando os pássaros que voavam sem ventar chegamos na tribo das fantasias de festa alegre. Ali a gente podia dançar e fazer o que a perna queria. Eu, de uma certa pensação, fiquei meio com a dúvida pinicando a orelha. Talvez fosse o pé que fazia a perna mexer e aí a gente teimava que era a perna que fazia o pé mexer. Como eu sempre acordava com o pé mexendo sabia que ficar em pé era coisa que morava no pé e não na perna. Pra ser articulado tem que ter hierarquia. Dedo, pé, perna, joelho… É assim, até chegar na ponta da cabeça. Ao contrário, é de ponta cabeça, coisa de morcego, bananeira e…
… O dedo fez psiu de novo. Mas dessa vez agachado, quase que rastejando. Apontava pro alto cheio de caladrio, eu tremia de sol só de olhar em pensar. A gente tava dentro da pirâmide amaldicionada. Tinha parede desenhada guardada por guardas de vidro, que a gente nem notava pela transparência. Tipo fantasma invisível dentro do olho do sonho, coisa que a gente só vê depois que a história dorme a gente na cama.
Uma hora passei numa grande parede toda rabiscada com ponta de lápis de cor que criança faz. Pensei no tamanho da bronca e uma curiosa verdade entrou na minha perna e ergueu a minha visão. Era uma múmia terrível olhando os cem olhos que a vigiavam em mim. Todos desenhos me olharam ao mesmo tempo, era cabeça de cachorro no corpo de gente, pássaro quadrado e gato. Tinha mais múmia, tinha mais sarfógaco, tinha hireloglíficos e esparadrapo pra todo lado. Elas não queriam me machucar.
Olhavam sempre pro infinito e os desenhos eram só uns pedaços de espelho que moram dentro da nossa visão. Quando eu entrava nessas filhosofias internas as coisas grandes que ensinam as pequenas sempre diziam que eu era esquemamente imaginativo. E eu ia fazer o que se a imaginação morava na minha cabeça? Brinquei no labirinto das múmias indo de um lado pro outro. Me acostumo fácil com as novas amizades que brotam pelos meus ouvidos. Mas o dedo apontou outro lugar, parou na frente da boca e fez: “Shhhhh.” Era o sinal pra fazer o pé pisar devagar e a boca gritar só barulho silencioso. Tipo quando a gente visita a vovó no quarto branco de tomar remédio. Era aquela tal tribo do efeito paralisante.
Tinha zabarbatana de atirar espeto, arco, flecha, lança, cocar de chefe, máscara de guerreiro, tinha “CABEÇA ENCOLHIDA”. Gritei tão baixinho que atraiu a atenção dos trans-untes. Mas veio o dedo apontar que aquilo era uma tradição daquela tribo: ENCOLHER CABEÇAS. A minha cabeça nem tinha crescido ainda e já tava ali me arriscando a virar corpo de pessoa de grande em cabeça pequena. Não ia caber pensamento, imaginatividade, nada. Não queria ser menor de vaidade pra sempre. Saí sofrendo diversidades, desviando de ponta de pé, olhar de máscara que espanta, pena de pôr na cabeça e quando olhei para frente o grande guerreiro do portal da cachoeira de pedra me encarava de olhar castigante na frente da porta. Aproveitei pra pensar coisa grande, último desejo, aproveitar meu último dia com cabeça tamanho de corpo. Mas o dedo era foda.
Ele nem podia imaginar que eu sabia essa palavra “foda” e é por isso que quando eu falava essa palavra “foda” de gente crescida falava só de dentro pra dentro, ou nas reuniões onde dedo não entra, o nosso clube. Nele a gente fazia a sessão das palavras estranhas e os seus sentidos. Era cada esquisitice que a gente descobria sozinho, longe dos óculos de grau, dos dedos e dos professores. Mas o dedo era FODA.
Ele sabia de tudo e onde ele apontava ele tinha algum livro na sua estante mental que saía uma história, um cadastro, uma explicação. E ainda sabia fazer a língua soltar várias palavras de vários planetas. Foi o dedo apontar pras palavras certas que o grande guerreiro bateu sua lança no chão e o grande portal se abriu, relevando a cachoeira de pedra polida com seus corre mãos de dourado frio. O céu transbordava de azul toda a moldura amarela lambida de sol que fazia lembrar um castelo de rei, de rainha, torre, cavalo, bispo e peão. Era assim que eu via o chão visto do alto da cachoeira. Um tabuleiro que desafiava a entrar no buraco infinito.
A respiração ficou sofregrande e a cada degrau que a bunda batia fria ele ficava maior, mais gigante, mais extintível. Ele era maior que o infinito e no seu desjuízo escolheu justamente a bolinha azul. Isso que dá querer ser diferente. Pensei na solidão que devia ser ficar por aí correndo no espaço vazio. Eu mesmo, só de ir na praça sem amigo, já me canso de inventar inventividades. Aí veio pedir colo pra terra azul que é feita de água. Explodir, se acolher, dizimar e renovar as vidas, as coisas e as calamidades. E não era nem pedra, nem meteoro, era meteorito.
Isso eu também sabia, eu sabia tudo de dinossauros. E agora eu também já sabia, atrás do buraco infinito habitavam restos, memórias e fragmentos de uma História que já não vive mais. Digo viver no sentido de andar, respirar, comer gente, mato ou fruta; nesse sentido eles tavam extintos. Dentro da minha cabeça eles ainda viviam. Mas essa época se extinguiu de mim.
A infância virou memória, parte de uma história que insiste em me habitar. Agora, o dedo que aponta a pequena vida que ilumina os olhos só de saber que vai ver os dinossauros do museu sou eu. Mas tinha que ser a última coisa pra não ser a primeira e última. E em cada pedaço de chão a gente plantava uma emoção pra no fim, o meteoro contar por si só o final dessa história.
E hoje me peguei salgando os olhos da terra na tentativa de molhar e extinguir aquele fogo sem fim. Morreu parte da criança que habitava em mim. Meu filho sentou ao meu lado, me olhou e apontou o dedo:
— Foi o meteoro de novo, né, pai?
Sorri afirmativamente e ele correu pro quarto. Pegou o seu dinossauro preferido e me deu:
— Toma, pai, esse aqui já perdeu uma perna e até a cabeça lutando com o T-Rex. E olha só, eu colei. É só colar que vive.
Tomei em mãos um pensamento cuja lembrança envelhecia dentro do velho pote de ideias e aqui colei toda essa minha passagem.
E pra não desgrudar nunca mais, dei a isso o nome “COLAGEM”.
M. Cestari
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